A complexidade da conduta humana

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Consciência versus Impulso

INSTITUTO DE ESTUDOS CRIMINAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

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quarta-feira, 13 de abril de 2022

ADVOCACIA CONSENSUAL E NEGOCIAÇÃO JURÍDICA:” que comecem os jogos!”

Aderlan Crespo

            Não há nenhuma novidade quando se afirma que a Advocacia vive e sobrevive do conflito. O Direito é uma ferramenta para que toda pessoa, diante de um conflito, possa buscar uma solução, visto que o Direito é um sistema que integra as regras escritas e o acesso à justiça.

            O conflito pode ser entendido como um impasse entre duas pessoas, no qual ambas possuem interesses distintos e contrários. Neste cenário, a Advocacia sempre se utilizou do Direito para atuar na defesa do interesse de cada um dos envolvidos e ação judicial sempre representou o mecanismo tradicional para a solução do conflito.

            No entanto, a partir da perspectiva da celeridade processual, o Brasil incorporou os juizados especiais como os órgãos judiciais responsáveis pela conciliação, como antes ocorria com os chamados “juizados de pequenas causas”. Desta forma, a justificativa sempre foi dar brevidade ao conflito nas questões consideradas de menor valor financeiro, ou seja, nos casos que significavam menor gravidade.

            Porém, os temas da Arbitragem e da Mediação foram também inseridos no Sistema de Justiça do país, desde a década de noventa, com algumas legislações inovadoras,  visando ampliar a perspectiva de renovação da prática da solução dos conflitos. Mas, a realidade não foi esta ao longo dos anos, e a cultura da judicialização dos conflitos sempre prosperou sobre as práticas alternativas.

            Mas, o que representa de fato uma ação judicial?

            A resposta à esta indagação passa de fato pelo aspecto cultural, tendo em vista que normalmente as pessoas fazem uso dos mecanismos existentes à sua disposição. A ação judicial, pelo qual as pessoas envolvidas no conflito se tornam adversárias,  é uma ferramenta mais comum em qualquer sociedade ocidental, pois os países deste lado do planeta possuíam, e ainda possuem, o hábito adotar as práticas sociais já aplicadas nas sociedades mais desenvolvidas, ou seja, a solução dos conflitos por meio do acesso à justiça sempre foi o mais comum meio de resolução dos problemas entre as pessoas, ainda que esse meio seja o mais longo, oneroso e até “injusto” para a “parte” perdedora.

            Sendo assim, como pode ser possível mudar o que se tornou tradicional, clássico e usual, em relação a solução dos conflitos sociais? A resposta a esta segunda pergunta passa pela postura inovadora dos(das) profissionais da advocacia, que já não aceitam o meio convencional da ação judicial, considerando os motivos já citados, e que buscam atender seus clientes por meio da conciliação, tendo em vista que não resolveram o impasse por meio da autocomposição (solução espontânea promovida pelos próprios envolvidos).

            Todavia, uma nova Advocacia vem assumindo, lentamente, o debate acerca da solução alternativa dos conflitos (práticas colaborativas da advocacia), baseada na busca pelo entendimento entre as pessoas envolvidas, que se denomina Advocacia Consensual.

            Pela Advocacia Consensual, os (as) advogados(as)  se posicionam entre as pessoas envolvidas, de forma não neutra, identificam os argumentos de cada envolvido, e mediante técnicas de linguagem apropriadas realizam a negociação até que o impasse seja resolvido. Neste sentido, a negociação ocupa o lugar principal na atividade  jurídica, motivo pelo qual se torna fundamental a formação do(a) profissional nesta forma de atuação.

            E neste processo de negociação existe toda a estratégia da atitude profissional da advocacia, que passa pela forma de ouvir, de falar e o próprio gestual. Estamos diante, de forma muito sutil, da chamada Teoria dos Jogos.

            A Teoria dos Jogos surgiu há séculos pelos matemáticos, mas foi em 1950 que John F. Nash atribuiu uma nova concepção sobre os movimentos dos jogadores (jogos de tabuleiros), dando destaque as atitudes racionais diante da disputa. Para Nash os oponentes estão sempre vinculados ao movimento futuro e se torna fundamental que o adversário se antecipe: “ eu penso que você pensa que eu penso que você pensa que eu penso”.

            Há inclusive um pitoresco caso que ilustra bem a questão dos mecanismos dos interesses:

                 Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para           os condenar, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um                dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em           silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de                 sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de            cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada               prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem     certeza da decisão do outro. A questão que o dilema propõe é: o que vai acontecer?         Como o prisioneiro vai reagir?

 

            Esta teoria se expandiu nas áreas empresariais e política, alastrando-se como um necessário conhecimento a ser dominado, visto que em quase todos os lugares e momentos há uma disputa entre pessoas.

            A negociação jurídica também se ocupa das estratégias racionalizadas de disputa, mas, diferentemente dos jogos em si, deve ter por maior referência o senso ético, considerando que pessoas envolvidas possuem, cada qual, sua história, seus desejos e suas necessidades. A Advocacia Consensual, faz uso da negociação e pode visar, além da solução do problema, a pacificação entre as pessoas envolvidas.

 

 

 

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

CENÁRIOS DA POLÍTICA BRASILEIRA. Uma sociedade perdida em desencontros.

 


Por Aderlan Crespo

 

            Todos têm direito a opinar sobre tudo e, como não poderia ser  diferente, a política integra este direito individual de expressão. Eis a famosa liberdade de expressão, que nos tempos mais democráticos que possa existir, deve ser reconhecido como  um direito fundamental a ser respeitado. Trata-se do direito de expor o que pensa, de falar o que pensa e de se colocar diante de um determinado assunto. Mas, por necessária finalidade de organização social e proteção da qualidade de convivência, este direito não é absoluto. Portanto, falamos de liberdade sim, mas não uma liberdade plena, considerando que sempre haverá leis que limitarão o nosso agir, em nome do bem-estar social, do equilíbrio interno e do respeito ao direito do outro.

 

            A Democracia (e neste texto me reservo no direito de destacar a palavra aplicando a primeira letra em maiúsculo, dada a sua importância) tem suas bases bem definidas, seja pelo aspecto histórico, seja pela própria verbalização em lei. Trata-se de um instituto político construído desde a Idade Antiga, mas que foi sendo aprimorado ao longo das décadas, diante das transformações sociais transcorridas no Ocidente (o Oriente é outro modelo cultura, político e histórico). Desta forma, as alterações internas de cada grupo social causam também alterações sobre as concepções e valores manejados pelas pessoas no cotidiano. Enfim, a sociedade muda, porque nós  mudamos.

 

            Imagina-se que, ainda que utopicamente, ao  longo do tempo haverá mudanças sim, e sempre para melhor, pois as pessoas, por uma questão de bom senso e inteligência, buscarão sempre uma vida melhor. Estamos falando de mudanças sobre o que mais importa, como por exemplo: alimentação, trabalho, moradia, entre outras necessidades. Como também questões mais simples, mas que são úteis no dia-a-dia, como a tecnologia, o transporte e a limpeza urbana. Provavelmente, sempre haverá necessidade de melhorarmos a vida coletiva, tanto que existem pessoas que se ocupam justamente destas tarefas: os servidores públicos, os parlamentares e os gestores. Estas pessoas – os servidores -, voluntariamente se colocam a serviço da sociedade, para cumprir as funções públicas em nome do povo, representando a instituição política maior, o Estado. Mesmo que no Brasil haja uma distorção entre os direitos trabalhistas dos servidores e dos trabalhadores do setor privado, como por exemplo, a estabilidade e alguns benefícios, todos são trabalhadores e importantes, e ninguém se torna melhor do que outro por esta particular condição empregatícia. Ainda há  as empresas, que também são importantes e possuem a tarefa de contribuir com suas atividades industriais ou comerciais, visto que estão intrinsecamente ligadas às necessidades das pessoas, pois produzem e comercializam os produtos que precisamos. 

        No entanto, os parlamentares e gestores do Executivo, por representarem o povo, precisam regulamentar a atuação das empresas, para que os preços cobrados sejam compatíveis com o real valor do produto e a capacidade de compra do cidadão. Isto não quer dizer que o Estado deva restringir o lucro ou limitar as atividades das empresas, mas sim proteger os cidadãos de práticas empresariais que se utilizam da demanda para obter lucros abusivos. O mesmo se diga dos bancos, pois são instituições financeiras que usam a moeda do cidadão para realizar as suas atividades, concedendo crédito e financiando grandes projetos. Denota-se assim, a  existência de um sistema de organização que funciona diariamente para que a sociedade funcione bem, e disto não podemos abrir mão.

 

            Acontece que, há servidores que são temporários, pois seus cargos são determinados por um tempo certo, como no caso dos mandatos dos parlamentares e dos prefeitos, governadores e presidentes da República. Estes últimos fazem parte do Poder Executivo e são os principais gestores sociais, pois  possuem o controle das políticas públicas  implementadas pelos órgãos públicos, e que são coordenadas por seus secretários, ou ministros no caso da esfera federal. As políticas públicas são as ações executadas que visam atender as tais necessidades das pessoas, isto é, o que mais importa para as pessoas. E todas as pessoas são detentoras dos direitos previstos em lei, o que significa que não se pode selecionar quem será beneficiado pelas políticas públicas. Um gestão pública que privilegia grupos na sociedade não governa de forma justa. Não obstante a igualdade perante a lei e ao Estado (todos são cidadãos), há pessoas que precisam mais do que outras, por uma questão de condição financeira, ou seja, há pessoas que não conseguem acessar pelo consumo determinados bens e serviços, e ao Estado cabe prover os necessários auxílios para que possam viver dignamente (esta política pública chama-se “justiça social”). 

         O ideal, por certo, é que houvesse políticas públicas de longo prazo, que diminuíssem o número de pessoas em condição de dependência do Estado, estreitando o máximo a distância entre ricos e pobres. Mas, esta não é uma realidade no Brasil. A escolha política nunca foi esta, ou seja, projetos nacionais de longo prazo, independentemente dos diversos mandatos,  o que demonstra sermos um povo com um dos mais graves índices de desigualdade social. Aliás, a distância entre ricos e pobres cresce sempre que há picos de agravamento macro-econômico, causando ainda mais problemas na vida micro-social, principalmente sobre a alimentação, moradia e outros direitos básicos e fundamentais.

 

            Desta forma, o que se exibe como mais importante na conjuntura política brasileira é a falta de capacidade de superação dos problemas mais importantes para as pessoas – o que mais importa-, ou seja, a execução de políticas públicas que favoreçam a qualidade de vida, da maioria ou de todos, e isso inclui a saúde das empresas. Uma sociedade com famílias vivendo este mínimo necessário, alimentação, moradia, saúde e trabalho, torna-se uma sociedade forte, desenvolvida e capaz de superar as adversidades que possam surgir à frente. Este conjunto de  necessidades não deveria ser algo tão difícil, como se fossem metas difíceis ou inalcançáveis. É notório que, toda família, nos quatro cantos deste país, desejaria ter acesso a estes direitos, e que seus dias fossem tranqüilos em relação ao que comer, onde morar, ao salário a receber e aos tratamentos médicos protetivos à saúde. Estas necessidades não deveriam ser promessas de candidatos em todas as eleições, mas sim direitos exercidos normalmente, já há décadas, pois são fundamentais para que se viva bem. E estamos falando do mínimo necessário. Porém, não é isso que vislumbramos. 

          A realidade demonstra que as políticas públicas direcionadas a estas necessidades são raras e pontuais, e dependem ainda do “ jogo político” praticado pelo Legislativo e Executivo, num troca-troca imoral, onde as necessidades dos cidadãos são reduzidos a moeda de barganha. E o pior é que, este jogo não tem fim, sendo renovado a cada eleição dos novos parlamentares. A  prioridade não é o povo.

 

            A luta política interna, entre os diversos grupos ideológicos, não é algo ruim, pelo contrário, faz parte do tal “jogo democrático”. Agora, se há muitos partidos ou pouco, é algo que se deva discutir  e se aprimorar, mas sempre visando o bem-comum. Todavia, notamos que os parlamentares e gestores do Executivo privilegiam seus interesses pessoais e políticos, deixando de atender ao que realmente importa para a população. Vejam como os seres humanos são capazes de atuar contra toda uma sociedade, ainda que se apresentem tão bem.

 

             Infelizmente, a miséria e as contradições sociais presentes na sociedade brasileira integram os elementos necessários para uma política imoral e perversa, que não se preocupa verdadeiramente com as necessidades das pessoas, mantendo apenas as desigualdades sociais. Esta forma de “fazer política”  perpetua este cenário trágico, onde milhões não conseguem comer, nem morar e nem trabalhar, e assim continuam a obter seus ganhos pessoais e suas vidas privilegiadas pelo luxo e conforto, tudo pago com dinheiro público.

             Entre o que precisamos e o que fazem por nós há um grande desencontro. A “política” deveria ser o caminho do bem. O que podemos fazer de melhor por nós é: direcionar nossas forças para um grande pacto político, e nos unirmos para reivindicarmos aquilo que mais importa para as nossas vidas: alimentação, saúde, moradia,  trabalho e um futuro melhor e equilibrado. Ao menos isto para que possamos viver dignamente. Aliás, sendo o Brasil um dos maiores produtores de alimentos do mundo, comida não deveria ser problema para as famílias brasileiras. Brigarmos entre nós, em nome de político A ou B, apenas agravará nossos problemas, enquanto alguns continuarão a viver com sobras, com luxo, com privilégios e a mesa farta, enquanto muitos continuarão a viver com pouco ou com migalhas. É preciso nos apropriarmos das verdadeiras pautas políticas e exigir o que nos é de direito. O conflito não é positivo. Sejamos mais sábios....

 

           

terça-feira, 10 de agosto de 2021

A POLÍTICA TEATRAL: o populismo manipulador

Aderlan Crespo

  

         O Brasil possui uma história marcada pela colonização, ditadura e redemocratização. Um dos principais temas que ocupam o cenário brasileiro é o da “corrupção”, mas este não é um privilégio dos governos civis, que marcam a consolidação do regime democrático. Podemos até afirmar que foi com a colonização  portuguesa que deu-se início as práticas de desvios e corrupções, além de extrema violência contra os mais vulneráveis. Desta forma, a plataforma sócio-econômica do Brasil tem como fundação a própria corrupção, que exige, de todos nós, nas práticas mais comuns do dia-a-dia, uma mudança de postura, tanto nas ações particulares da vida dos cidadãos,  como nas ações políticas da administração pública. Vejamos a exposição abaixo sobre o falacioso saudosismo dos governos do regime militar:

 

                       “Se propina, desvio de recursos públicos e nepotismo atravessam o           noticiário e colocam o Brasil como 105º em percepção da corrupção num   ranking com 180 países, a direita pró-coturno busca colar o bordão “na    ditadura é que era bom” também no que diz respeito ao trato da coisa pública. Pesquisas e novos documentos mostram que essa afirmação não passa de fake  news. História ora contada pela metade, ora falsificada mesmo. “Ao contrário do que se difunde no senso comum, o período de 1964 a 1985 foi fértil em       denúncias de ilegalidades envolvendo empresas e o Estado no Brasil”,     afirma o historiador Pedro Henrique Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). “Mesmo com os mecanismos de controle e   investigação    amordaçados, ficaram famosos casos de como o relatório Saraiva, Capemi, Coroa-Brastel, Halles, Delfin, BUC, Lume, Luftalla, Áurea, Atalla, TAA, Dow Chemical, projeto Jari, Petropaulo, Brasilinvest”, entre outros. O variado cardápio apresentado envolve cobrança de propina em obras     de energia; desvios na retirada de árvores secas do futuro lago de Tucuruí; “pedágio” em empréstimo da Caixa Econômica Federal a empresário; irresponsabilidade financeira com intervenção caridosa; superavaliação de   bens dados em garantia para empréstimo bilionário; injeção de dinheiro público em empresa falimentar; e assim vai.” (Pedro Biondi. Historiador)

 

         O populismo, que não se declara desta forma por quem o pratica, eis que oculta seu real objetivo pessoal e até perverso, significa atos distorcidos do bem comum, ou seja, trata-se uma estratégia política determinada  para iludir e manipular a boa-fé do povo, assim como para agradar pequena parcela que é simpatizante de governos rígidos, autoritários e toscos, disfarçados de democráticos.

 

         A  maioria da população brasileira é pobre, com deficiência no processo educacional e no acesso aos direitos básicos, como saúde e habitação. Isto significa que a desigualdade social está totalmente vinculada ao cenário político, pois a classe média e alta procura decidir quais governos devem atender aos seus interesses, e neste sentido é mais fácil surgir políticos populistas do que os comprometidos com a realidade brasileira, que exige políticas públicas de enfrentamento das diversas formas de exclusão. A exclusão social, e também a econômica, que favorecem a manipulação política, demonstram a mais perversa tradição mantida pela sociedade brasileira, que desconhece uma realidade onde a maioria possui seus direitos básicos, onde a pobreza seja uma exceção, onde a política seja honestamente a ferramenta para executar as melhores práticas para o povo.

 

         Desta forma, os governos que possuem projetos políticos pessoais tendem a conduzir deslealmente a população, como já ocorreu no Brasil com Getúlio Vargas, Jânio Quadros e  os governos militares. O regime autoritário, e, portanto, antidemocrático, não significa o melhor remédio para a má política. Significa sim o uso da violência como forma de controle.

 

         No Brasil de hoje, assim como já ocorreu no passado, estamos diante de políticos irresponsáveis, que usam de atitudes populistas ( conservadores  e de direita), que resgatam discursos ultrapassados para mostrarem-se como exemplos da ética e da moral, por meio de arroubos ameaçadores, negando as bases da democracia e da igualdade entre todas as pessoas, como se fossem arautos e anfitriões  da uma nova política, mas que não passam de pequenos políticos, beneficiados pela própria democracia, e que não desejam um Brasil de liberdades e igualdades. Estes desejam a apartação, regimes duros e ameaçadores, perseguição dos fazem oposição, uso das forças para seu próprio interesse, tendo a Bandeira da Nação como a ferramenta ilusória de inverdades antidemocráticas.

 

domingo, 13 de dezembro de 2020

Por que ser um político rude?

 

                                                                                                                      Aderlan Crespo

            É muito, mas muito antiga a reflexão sobre a política. Foram séculos que permitiram o ser humano (majoritariamente os homens) atuar como líderes, representantes do povo, tanto como verdadeiros ídolos, tiranos ou como meros indiferentes, quando desprovidos de qualquer valor, a simpatia ou raiva. O alcance de tal condição de poder se deu de forma diferente na história, seja por sucessões de famílias (famílias reais ou dinastias), pela força (tirania) ou ainda  pela vontade da maioria (democracia). Eis, portanto, o incrível invento dos povos civilizados: a política.

            Em outra órbita, o ser humano carrega consigo, quando atinge a maturidade (digamos que na fase adulta), inúmeras tendências de ordem pessoal,  desenvolvidas ao longo de sua vida. Essas tendências comportamentais, que também são conhecidas como “caráter”, “características pessoais da persona”, ou até “personalidade”, fazem parte do indivíduo, como parte integrante do seu “eu”. É como se permanecessem grudadas na consciência, e que são demonstradas em determinadas situações, perceptíveis aos olhos de terceiros. Provavelmente, se forem positivas  serão reforçadas pelo indivíduo portador, mas se forem rejeitadas pelos demais do grupo, então serão reprimidas pelo mesmo. Porém, pode ocorrer justamente o oposto. O indivíduo, fazendo sua selfie (auto-análise), não desaprova suas características pessoais, e as adota como referência predominante (às vezes até aprimora, como um polimento que visa fazer surgir o brilho do objeto). Agindo assim, estará o indivíduo atuando conscientemente de forma indesejada, buscando justamente “ser desagradável”. As conseqüências oriundas destas atitudes poderão resultar no isolamento do indivíduo, a não ser que este se enquadre em um grupo cujas atitudes predominantes dos demais sejam a mesma ou semelhante (grupo constituído por afinidades de comportamento).

            Façamos agora a aproximação das duas reflexões anteriores, ou seja, uma composição, de ordem prática e teórica, sobre a política e a atitude indesejada. Teremos então a atitude desagradável, logo indesejada, praticada por um político. O problema surge quando tal hipótese ocorre nos tempos atuais envolvendo um chefe de governo. Seria compatível esta forma de governar na pós-modernidade?

            Inicialmente, podemos afirmar que qualquer pessoa, atuante na vida política ou não, em muitas oportunidades é solicitado a justificar uma determinada atitude que praticara, e que não foi bem recebida. Neste caso,  sendo um governante, recairá sobre o mesmo uma preocupação sobre sua imagem, pois para este a forma como é visto pelo povo é essencial para sua estabilidade política, considerando que precisa da “aprovação” popular –ou pelo menos da maioria – para que continue sua trajetória no futuro. Neste sentido, a racionalização humana nos condiciona a avaliar como somos avaliados por terceiros  e, portanto, devemos ajustar nossas atitudes diante da expectativa que existe sobre nós. Certamente que não devamos viver em alerta sobre como temos que agir para agradar os outros, mas paira sobre todos nós a vontade de sermos aceitos da melhor forma possível. Para tanto, nos avaliamos a partir de determinados acontecimentos que nos levam a julgar nossas atitudes. Pode não ser um exercício habitual, mas é muito provável que em alguns momentos fomos levados a pensar sobre “como agimos em determinada situação”, ou se “o que aquela pessoa me falou procede”.

            Mas, e se, no caso da política, o governante, ainda que  criticado repetidas vezes por milhares de pessoas, de forma manifestamente direta e clara,  não concordar com a desaprovação de suas atitudes ofensivas e rudes?

            O governante, a partir do poder lhe foi concedido pelo povo, além de ter que planejar as melhores estratégias para o país, deve agir com o compromisso de ser agradável e, consequentemente, deve deixar de lado as suas tendências pessoais tão criticadas, e que são responsáveis por atitudes indesejadas, em nome do cargo que exerce?

            O governante, neste século, passa a ser um símbolo da ética, da moral, do respeito e das novas matrizes que envolvem o relacionamento humano na coletividade?

            Eis uma questão que tem em mira o resgate do debate acerca da ética e da moral na política. Além de colocar também em pauta a questão da estabilidade social, pela qual deve haver o empenho máximo dos indivíduos sobre a organização social em seu cotidiano. Há de certa forma, uma necessidade da conveniência da convivência humana, que exige que sejamos sóbrios e racionais, a ponto de fazermos o melhor em nome da coletividade, mesmo com tanta diversidade e pluralidade cultural. Podemos afirmar que a maioria das pessoas vive segundo as principais regras sociais que visam promover uma convivência harmoniosa, ou minimamente tolerada, ainda que muitos atuem de forma a conspirar contra esta finalidade (a sociologia estrutural vai denominar como “desvio social”). Trata-se de um problema atemporal.

            Na antiguidade, Platão decidiu seguir os passos de seu inspirador e manteve-se firme nos estudos e nas reflexões sobre a “política e a investigação sistemática dos fundamentos da conduta humana”.

            Enfim, a psicologia nos direciona a pensar sobre como convivemos, sobre  quem somo e como nos tornamos, e como se explicam determinadas atitudes desagradáveis praticadas pelo ser humano. Contudo, ainda que as ciências nos demonstrem teses sobre o “comportamento humano”, estaremos sempre impactados por condutas indesejáveis, principalmente quando o autor é alguém responsável por uma nação.

            Podemos e devemos aceitar que a vida seja de fato uma porta de possibilidades e experiências, boas e ruins, e que o melhor é nos preparamos para todas as possíveis experiências. A força está dentro de nós, mas precisa ser ativada.

            No entanto, como ser humanos racionais, possuímos de fato o controle de nossas consciências, e deveríamos de alguma forma planejar nosso “eu” para a convivência, pois o agrupamento é a nossa essência. E a qualidade da vida do grupo depende da atitude de cada um que faz parte dele.

            Desta forma, a vida política exige que sejamos os mais lúcidos possíveis, a ponto de nossas escolhas não permitirem o sucesso de candidatos que optam por praticarem atitudes desagradáveis, ofensivas, indelicadas e preconceituosas.

 

 

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

A força interna para lidar com os golpes diários.

                                                  Por Aderlan Crespo em uma primavera

O propósito de uma reflexão é estimular o pensamento para que possamos ter mais clareza sobre vários aspectos da vida. Reflexão é movimento abstrato da consciência para que as ações concretas se realizem de acordo.

Quando decidimos compartilhar nossas reflexões outras pessoas são provocadas também a gerar um processo de pensamento sobre aquele tema, fazendo com que nosso consciente se envolva e possamos ter alguma opinião mais clara sobre como podemos proceder no futuro.

Neste sentido, pretendo fazer uma reflexão direcionada a nossa capacidade de mentalizar bons pensamentos e a partir daí termos atitudes mais positivas no nosso cotidiano, na relação interpessoal, já que a nossa regra em vida é CONVIVER. A coexistência exige, desde criança, uma atitude integracionista com as pessoas, e esta experiência se inicia na família. Estar integrado é uma obrigação humana. Portanto, a qualidade desta integração depende de nós mesmos.

Neste sentido, podemos buscar qualidade de vida na relações humanas do cotidiano e essa qualidade fortalecerá nossa capacidade mental de estarmos cada vez mais preparados a Absorver os Golpes praticados contra nós, como que uma forma de defesa mental para superarmos sem o confronto. Certamente que não seremos capazes de evitar 100% das ações contra nós, mas provavelmente a mente estará previamente em alerta e nossa atitude dependerá de nossa consciência em atuar de forma a não aceitar os confrontos, as provocações, o surgimento da raiva em grande escala ou até o ódio.

Não se pretende defender uma atitude passiva, mas um exercício mental para que possamos decidir racionalmente como favorecer uma relação cotidiana com mais qualidade.

No nível profissional, principalmente na ADVOCACIA CONSENSUAL, cujo objetivo é evitar o conflito judicial, o confronto profissional entre advogados e advogadas, e pelo contrário estimular o entendimento, o tal “poder de absorção” dos golpes é fundamental, pois é justamente este tipo de esquiva, exercício mental e até o equilíbrio emocional, que permite que um diálogo positivo seja possível, promovendo o entendimento e a superação do problema, que, tradicionalmente, é levado ao judiciário, e que por anos se digladiam, com todos os atos, prazos e recursos possíveis.

Portanto, diante de algum dedicado aos estudos sobre comportamento humano e promoção do entendimento entre as pessoas, até mesmo entre pessoas jurídicas, defendo as seguintes atitudes como requisitos:

1.       Decidir não assimilar emocionalmente as ações ofensivas praticadas contra;

2.       Decidir que racionalmente podemos construir melhor saídas e estratégias para os conflitos que surgem;

3.       Considerar que o tempo pode ser um aliado fundamental para evitar um conflito. E no caso do(a) advogado(a) consensual, que decida atuar extrajudiciamente, o tempo deverá ser usado de forma muito paciente, até porque pode ser útil para pensar em estratégias preventivas e para o diálogo sem aceleração com a outra pessoa que deseja o conflito.

4.       Exercitar mentalmente que a boa atitude será melhor que a reação emocional conflituosa, pois a reação na mesma força e intensidade tende a aumentar e expandir o conflito;

5.       Praticar boas atitudes ajudam a compor um sistema mental positivo, pois tornará a empatia e a tolerância ferramentas pessoais poderosas.

6.       Exercitar somente o “ouvir” o outro, principalmente quando ele ou ela estejam desabafando suas opiniões com doses de raiva e impaciência. O bom diálogo sempre vem depois.

 

 

 

 

terça-feira, 4 de agosto de 2020

NOÇÕES SOBRE A ADVOCACIA CONSENSUAL.


 

Aderlan Crespo

 

“O  conflito não precisa chegar a esfera do judiciário”.

1. Introdução

            O objetivo deste artigo é questionar a cultura da judicialização por parte da advocacia, nos casos envolvendo conflitos jurídicos entre as pessoas. A permanente tendência  da advocacia em atuar de forma adversarial, ou seja, de transportar o problema entre duas pessoas em um processo judicial, que muitas das vezes significa o acirramento do conflito, corresponde a uma "cultura da sentença judicial". O mais comum, e que aqui se questiona, é a postura de aceitar o “caso” e, de imediato, partir para as soluções judiciais. Em outras palavras, não se cogita como regra a solução não judicial do problema. Ao contrário, o fato é incorporado pela técnica jurídica, para que seja viabilizada uma ação judicial. Todavia, este modelo profissional acaba por fomentar o conflito entre as pessoas envolvidas, conduzindo o referido conflito ao Judiciário, como se fosse a melhor forma de atender ao cliente.

 

             No entanto, o conflito é um problema não resolvido entre os envolvidos, mas que pode ser resolvido sim com a atuação dos profissionais jurídicos, sem necessariamente haver processo.  Advogados e advogadas devem atuar objetivando auxiliar seus clientes, mas por meio de uma relação na qual se prevaleça o diálogo positivo e saudável, mitigando-se a relação violenta entre as partes, pelo qual seja favorecida a tolerância e o entendimento. As vantagens são significativas, além do que prima-se pela humanização nas relações entre todos e todas, isto é, que as pessoas demonstrem de fato a possibilidade de uma profissionalização mais fraternal, tendo a empatia como base. A humanização significa priorizar o respeito, a dignidade e concórdia nas relações da profissão. O ser humano deve ser sempre a prioridade e, neste caso, todo problema jurídico pode ter uma solução sem conflito judicial. 

 

2. A função social da Advocacia

 

            A trajetória da judicialização no Brasil seguiu os modelos de Portugal, dada a época do surgimento dos primeiros cursos jurídicos - Olinda e São Paulo - ainda no século XIX. A Ordem dos Advogados do Brasil foi criada em 1930, sob o governo de Getúlio Vargas, justamente no momento que este centralizava o poder do país em suas mãos. A advocacia tornou-se, para além da romântica sonata propagada socialmente, uma profissão de alto valor para toda a sociedade, com claros contornos de aspectos políticos.

 

            Mas, há um principal objetivo da advocacia?

 

            Esta é uma pergunta que  pode ser elaborada para questionar a histórica cultura da advocacia litigiosa, aquela da propositura da ação, do processo judicial, da sentença, ou seja, do conflito litigioso entre os envolvidos (na linguagem forense: as partes).

 

            A pergunta que pode ser feita é: a cultura da judicialização, chamada de "Advocacia Adversarial", pode ser substituída pela Advocacia Consensual? Certamente que a resposta é sim!

 

            Mas então, o que seria a Advocacia Consensual?

 

            Talvez, para entender o início da mudança de paradigmas, precisamos retornar a década de 90, quando surge a Lei de Arbitragem, cujo projeto foi de autoria do Senador Marcos Maciel. Na referida lei o objetivo era a superação do processo judiciário por um árbitro particular, que fosse, digamos, contratado para decidir o conflito. Embora tenha surgido esta lei de arbitragem, o que vimos foi a manutenção progressiva da advocacia baseada no processo, no litígio.

 

            Desta forma, quais são os fatores que inspiravam e inspiram ainda a grande maioria a advogar pelo processo?

 

            Esta indagação nos faz olhar para os cursos de Direito, nos quais não há, no geral, um projeto particular direcionado a solução alternativa ou complementar de conflitos. Quando muito, podemos ver disciplinas eletivas de Mediação e Arbitragem. Não se quer descartar o objetivo de formar profissionais competentes para a atuação judicial, mas é preciso destacar a essência dos cursos, e evidentemente que é a do litígio.

 

            Por outro lado, a própria Ordem dos Advogados pouco fez ainda para a alteração deste cenário. Mas, é preciso reconhecer que novos passos foram dados no sentido da mudança.

 

            Segundo o Conselho Nacional de Justiça, em 2017 havia 80 milhões de processos no país aguardando decisão terminativa (não se aplica aos processos criminais, pois a regra para estes é a ação pública movida pelo Ministério Público, quando configurada a autoria e materialidade de um crime). Ainda nesta pesquisa, a área que mais concilia é a trabalhista, e o tempo médio da duração de um processo é de 03 (três) anos aproximadamente, sem a execução, podendo esta fase perdurar ainda mais do que este tempo. Isso sem contar as despesas dos  custos dos processos, que  para a população são bem elevadas. O próprio poder público gasta muito com toda a estrutura existente.

 

3. Novos paradigmas legais para a solução dos conflitos

 

          Todavia, o Novo Código de Processo Civil-NCPC (Lei 13.105/15) lançou nova possibilidade de solução de conflito consensual, por meio da previsão nas Normas Fundamentais do Processo Civil (Livro I, Capítulo I):

 

 

  Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

  § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.

  § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos    conflitos.

  § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de   conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do  Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

 

Quando o legislador incluiu esta previsão normativa, logo no início do texto do NCPC, causou visivelmente um impacto sobre a cultura judicializante, pois destacou-se que é dever do Estado promover a solução consensual.

 

 Certamente, antes mesmo do novo código processual civil, já ocorria na prática a tentativa da conciliação, precisamente no início das audiências (nas varas comuns ou juizados especiais cíveis). Aliás, nos juizados especiais cíveis prevalecem os princípios da oralidade e celeridade processual, para que por meio do debate seja possível superar o conflito. Na figura do “conciliador” está configurada a idéia da solução consensual, por mais que na prática seja mais um formal rito de passagem.

 

Afora esta inovação trazida pelo NCPC, o Congresso Nacional do Brasil, brilhantemente, aprovou em março do ano de 2015 o Projeto de Lei no. 517 de 2011, de autoria do Senador Ricardo Ferraço-PMDB, criando a Lei no. 13.140/2015, conhecida como “A  Lei da Mediação”. Eis a ementa do seu Projeto de Lei:

Institui e disciplina o uso da mediação de conflitos em quaisquer matérias em que a lei não proíba as partes de negociar; define mediação com um processo decisório conduzido por terceiro imparcial, com o objetivo de auxiliar as partes a identificar ou desenvolver soluções consensuais; estabelece os princípios básicos do processo de mediação; dispõe que o Mediador é o terceiro imparcial, com capacitação adequada e subordinação a código de ética específico que, aceito pelas partes, conduzirá o processo de comunicação entre elas, para que os envolvidos possam tomar decisões informadas, na busca de soluções; estabelece que nos processos de mediação as partes poderão ser assistidas por advogados; dispõe que a mediação pode ser judicial ou extrajudicial, pode versar sobre todo o conflito ou parte dele; estabelece que a participação na mediação será sempre facultativa; dispõe que o procedimento da mediação é, em regra, confidencial e sigiloso; estabelece que o procedimento a ser adotado na mediação judicial, bem como os requisitos para o exercício da atividade de mediador, serão disciplinados pelas normas do Código de Processo Civil e pelos parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça; dispõe sobre as especificidades da mediação judicial e da mediação extrajudicial; estabelece que obtido o acordo ou finalizada a mediação sem acordo, será lavrado termo e assinado pelas partes, seus advogados e pelo mediador; especifica o que deverá conter o termo de acordo ou o termo de mediação; dispõe que o Conselho Nacional de Justiça criará e manterá bancos de dados reunindo informações relativas à mediação; estabelece que a lei entrará em vigor após decorridos cento e oitenta dias da data de sua publicação oficial.

Pela presente lei, que ainda caminha muito timidamente, o objetivo é que os Tribunais, coordenados pelo Conselho Nacional de Justiça-CNJ, possam adotar “Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania-Cejusc”, nos quais devem atuar os “mediadores”, que devem ser devidamente capacitados, vez que a mediação exige toda uma forma de abordagem e ações específicas, principalmente para que sejam facilitadores do diálogo entre os envolvidos, diferentemente do que ocorre no atual modelo do “conciliador”, nos juizados especiais cíveis.

 

Neste sentido, no Brasil houve um avanço legislativo sobre a possibilidade de solução de conflito sem o litígio processual. Ou seja, na parte legislativa sobre a atuação jurídica que mais necessitava o Brasil, conquistamos duas inovações: o Novo Código de Processo Civil e A Lei de Mediação.

 

 Até o momento, não há uma normatização específica sobre os objetivos profissionais direcionados a solução consensual dos conflitos, segundo as legislações acerca da profissão ( Estatuto da OAB e o Código de Ética).

 

No que pese as inovações surgidas com a Lei da Mediação (Lei 13.140/2015), e provavelmente visando dar incremento à advocacia não tiligiosa, como forma de atuação profissional em que o litígio processual não seja a regra (advocacia adversarial), a Ordem dos Advogados do Brasil lançou o Provimento no. 196/2020. Neste provimento afirma-se que as atividades de conciliadores ou mediadores também se configuram como atividades advocatícias. Não há necessariamente uma normativa interna da OAB voltada para a Advocacia Consensual, ainda.

 

Agora, com as normativas legais e infra-legais sobre a solução de conflito não litigiosa, em processo judiciais, torna-se evidente que os advogados e as advogadas devem buscar repensar a chamada “cultura do processo”, e buscar efetivar uma inovação na prática da advocacia, posto que nesta alternativa cultural não há qualquer perda de rendimentos, pois, ainda que não judicialize, o cliente será assessorado pela competente e necessária atuação do advogado ou advogada, de forma a garantir e proteger seus interesses. O que muda é a forma e os meios. O fim deve ser sempre a defesa de direitos.

 

Todavia, esta reformulação da prática advocatícia exigirá uma atuação direcionada a minimização dos ânimos, dos sentimentos de raiva ou ódio, diferentemente da atuação presente na “cultura do litígio”, na qual, por vezes, ou quase sempre, a advocacia acirra o conflito, incrementa uma força em direção ao processo, incentivando ainda mais a relação de hostilidade entre os envolvidos. E o desgaste é quase certo.

 

Conceito de Advocacia Consensual: é uma modalidade da profissão advocatícia, privilegiando a atividade jurídica extrajudicial, que prioriza a assistência jurídica não contenciosa (judicial), à pessoa física e a pessoa jurídica, visando garantir a proteção dos direitos.

 

4. Princípios da Advocacia Consensual

 

Considerando que a Advocacia Consensual prima pela solução dos conflitos sem considerar o "processo" - advocacia extrajudicial, como a melhor forma de atuação profissional, diferentemente da forma  exercida pela Advocacia Convencional, que cotidianamente prioriza a ação judicial, é preciso apontar os princípios relacionados a esta nova forma de percepção da profissão, a ponto de ser compreendida a nova filosofia deste modelo consensual da advocacia.

 

Portanto, pode-se identificar os seguintes princípios norteadores da Advocacia Consensual:

 

a) princípio do entendimento entre as partes;

b) princípio da não judicialização do conflito;

c) princípio da celeridade da solução;

d) princípio da humanização das relações entre os conflitantes;

e) princípio da concórdia;

f) princípio do diálogo racional;

 

 

Tais princípios configuram o que se denomina Advocacia Consensual posto que o objetivo da solução dos conflitos entre as pessoas tem como meio ferramentas que proporcionam provável entendimento entre os envolvidos (partes),  não alimentando a hostilidade existente, mas ao contrário, objetivando a conciliação.

 

Nesta advocacia o advogado ou a advogada devem estar preparados emocionalmente para atuarem de forma a, pacientemente, alcançarem o entendimento entre os envolvidos. A inteligência emocional do(a) profissional neste modelo de advocacia torna-se prioridade, a ponto de se colocar como intermediário negociador entre os envolvidos. 

 

Certamente que, a advocacia se torna imprescindível quando há um conflito jurídico, mas o problema a ser solucionado pode encontrar mais êxito, seja quanto aos honorários, seja quanto aos interesses dos envolvidos, quando se evita ao máximo o processo, pois com a judicialização do conflito haverá um longa, onerosa e desgastante relação entre todos.

 

A Advocacia Consensual precisa expandir-se no Brasil, pois os problemas decorrentes do alto número de ações judiciais em curso não proporcionam soluções rápidas dos conflitos jurídicos. 

 

Duas são as máximas deste debate: a) um conflito jurídico não precisa se tornar um conflito judicial; b) durante o conflito judicial, em todas as instâncias possíveis, não há a certeza da conquista do direito; c) na Advocacia Consensual os envolvidos ganham e perdem ao mesmo tempo, na proporção de seus direitos.

 

5. Considerações finais

 

A ideia principal nesta nova cultura da prática profissional da advocacia é fomentar a tolerância entre os envolvidos, incentivar a análise não violenta da situação, tornando a situação jurídica um motivo para a composição, para o consenso, ou seja, para o entendimento. Ainda que pareça difícil, o papel da advocacia consensual extrajudicial é vivável, possível e realizável. Trata-se de uma questão de decisão.

 

Portanto, a mudança de postura, de atitude e de forma e conteúdo dos diálogos, devem iniciar, fundamentalmente, na fase pré-litigiosa, com o cliente. Caberá ao advogado, ou a advogada, apresentar o panorama do fato-problema, a partir de seu conhecimento técnico, e conduzir a situação jurídica para uma fase posterior que será o da aproximação com a “outra parte”, mas não como inimigos ou adversários, apenas como o “outro envolvido”, visando o consenso.

 

Esta nova cultura da advocacia, que as próprias normativas estão estimulando, faz com que as pessoas possam acreditar em uma sociedade pautada pelo não pela discórdia, mas pelo entendimento como regra nas relações. Portanto, os profissionais e as profissionais da advocacia possuem um compromisso com este objetivo. A proteção da saúde da sociedade é um dever de todos os cidadãos, que deve ser realizado diariamente e em pequenas e grandes ações. Quando  envolve o conflito entre as pessoas, cabe aos profissionais envolvidos atuar de forma mais humanizada. O Poder Judiciário não é um órgão supremo de justiça, mas um meio criado pelo Estado Republicano. As pessoas podem promover a justiça pela autocomposição, intermediadas por profissionais que cumpram esta função, mediante uma interlocução negociadora. A justiça pode ser feita por qualquer pessoa, principalmente quando advogados e advogadas estão conscientes desta virtuosa capacidade humana. Eis uma visão possível de futuro. O futuro poderá ser diferente, e a advocacia pode e deve fazer parte dele.  

 

 

 

 

 

 

 


terça-feira, 16 de junho de 2020

Advocacia, conflitos entre pessoas e soluções extrajudiciais.


Aderlan Crespo
1. Introdução

       A sociedade brasileira, assim com também ocorre na maioria dos demais povos, há uma factível tendência para o conflito. A filosofia nos sugere que a vida do ser humano é movida por conflitos. E a própria psicologia nos traduz os conflitos como impulsos e ações emocionais não reprimidos, ou seja, não controlados apropriadamente pela consciência, o que nos torna seres capazes de produzir conflitos, em diversas situações do cotidiano.

       Mas, a própria consciência humana, como motor subjetivo racional capaz de mover nossas ações, pode ser motivada, instruída ou modelada por um desejo pessoal de buscar a  estabilidade emocional, principalmente nos momentos mais difíceis, instáveis, provocativos e perturbadores. Não se trata de uma tarefa fácil, mas possível. Desta forma, a presença de um terceiro, entre as pessoas em conflito, pode facilitar o consenso.

       Toda situação deve preceder do intuito de se fazer prevalecer a capacidade racional pela solução sem conflito, que será compensada por uma sensação de estabilidade confortante. Essa compensação poderá gerar uma satisfação tal que, o conflito será apenas um fato ocorrido no passado. Todavia, desejar e exercitar essa atitude será imprescindível em qualquer situação que possa gerar um conflito ou um desequilíbrio do humor, capaz de exaltar-se a ponto de se tornar, internamente, uma sensação de mal estar, raiva ou desejo de retaliação. A ideia de vingança pode estar nos processos judiciais, mesmo que não revelados, pois a honestidade pode ser constrangedora. Mas, por vezes, presenciamos a declaração desse desejo do cliente, como se houvesse um certo sabor doce nas palavras de ódio.

2. Afinal, quando se fala em Mediação, do que estamos falando?
      
       Trata-se de uma nova forma de viver o cotidiano, pautado não na possibilidade de reagirmos com rigor e vigor, mas de sermos controlados, ponderados e mais estáveis emocionalmente. Esse panorama direcionada a conduta individual e a qualidade de vida coletiva, diz respeito a novos paradigmas de vida. Uma vida baseada na tolerância, empatia, boa-ação, entendimento e valorização do bem-estar emocional. Trata-se da qualidade de vida cujas referências devem ser possíveis de serem praticadas.

       Diante disto, temos os processos judiciais sobre  fatos ocorridos entre pessoas ( e que no direito são chamadas de “partes”), mas que, efetivamente, referem-se a uso de meios “não pacíficos” de solução de conflitos. São meios legais, mas que, geralmente, causam ou exasperam ainda mais o sentimento de adversidade, raiva e até de ódio.

        Não que as práticas judiciais ou a própria advocacia tenham o objetivo de incrementar o conflito, mas também não possuem uma cultura de atenuar ou exaurir o conflito, como principal finalidade na vida coletiva. A história da solução de conflitos no Brasil é a da judicialização. Esse paradigma pode e deve mudar. O modelo da judicialização, como regra, e a prática da conciliação como exceção, pode ser substituído pelo modelo do ENTENDIMENTO, da VALORIZAÇÃO DA BOA-AÇÃO e, ainda, DO FIM MAIS AGRADÁVEL POSSÍVEL PARA AS PESSOAS EM CONFLITO.

       A chamada “cultura da judicialização”, ou a valorização pela formalização judicial, seja pelo processo ou pela homologação do acordo, indica que a sociedade foi, e ainda é, condicionada a acreditar que as pessoas não podem ser capazes de superar seus conflitos por meio de técnicas ou metodologias humanistas, isto é, de práticas baseadas na valorização da boa-ação e do entendimento entre si (autocomposição). A figura do(a) mediador(a) é importante, pois torna-se o(a) facilitador(a), o(a) interlocutor(a) entre as pessoas que vivenciam o conflito (o problema a ser superado).

       Não é incomum perceber  que a “ vitória no processo” gera uma vanglorização ou exibicionismo na prática da advocacia (quando não compulsão ou obsessão), posto que, quando um processo é “ganho” conclui-se que para o outro houve a “derrota”. Neste sentido,  transforma-se o “caso” em uma relação entre adversários jurídicos, ou, em mais um número. Aliás, é possível atribuir-se valor ao profissional ( qualidade ) pelo número de vitórias conquistadas. Mas, ganhou-se o que? A chamada “parte” que perdeu mereceu uma derrota? Ou, a “parte” que ganhou merecia de fato? Por que é preciso que um ganhe e o outro seja derrotado?

       O objetivo não pode ser antecipar um resultado, lento, disputado e angustiante, por uma solução que gere ENTENDIMENTO entre as PESSOAS?

       Também não é incomum percebermos que, em determinados casos, a magistratura revela não fazer como lhe era preferível, mas sim porque foi preciso, pois diante da necessidade de “obedecer a lei”, põe termo final ao conflito “judicial” produzindo uma certa “injustiça” (mantendo o conflito entre as pessoas, como geralmente ocorre), ainda que exerça a função judicante com a máxima imparcialidade. Mas, qual a finalidade do Poder Judiciário? Por que obedecer uma lei se esta quando aplicada não revela o melhor resultado?

       Diante de leis que inclusive são contestadas por técnicos da prática judicial (advogadas, delegados, promotores, procuradores, entre outros), outra opção não há senão a de contestar a constitucionalidade da lei, para que não produza resultados ruins para as pessoas. Caso não seja possível, caberá a hermenêutica conceder possibilidade alternativa para a sua aplicação. O que se nota é uma possível obediência a lei, ainda que não traduza a tal “justiça”.

       Portanto, talvez tenha chegada o momento de causarmos uma REVOLUÇÃO na advocacia, para que a vontade maior seja o ENTENDIMENTO entre as pessoas, e para que  a advocacia se transforme numa prática do consenso, da conciliação e, por que não, da paz entre as pessoas conflitantes. Certamente, as ações penais públicas não são objeto do Instituto da Mediação.

       No Brasil, surgiu uma lei que grafitou na parede das relações humanas a possibilidade legal da composição entre as pessoas, de forma extrajudicial:
                                        Dispõe sobre a   mediação entre particulares   como   meio  de  solução  de  controvérsias e sobre a autocomposição  de  conflitos  no  âmbito  da  administração pública; altera a Lei nº 9.469, de  10 de julho      de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.


       A cronologia legislativa nos sugere que há anos se identifica um esforço no sentido de promover mais avanço na conciliação ou composição extajudicial, como se verifica abaixo:

  a) Lei 9099/95 (Juizados Especiais);
  b)   Lei 9.307/96 (Lei da Arbitragem);
  c)   Lei 13.105/15 (Código de Processo Civil)
  d)   Lei 13.867/19 (Mediação em casos de Desapropriação de imóvel)
  e)   Resolução no. 125 do CNJ (Política Judiciária Nacional para a autocomposição dos litígios: mediação e conciliação)

       Do rol anteriormente exposto, de caráter normativo, a Resolução no. 125 do CNJ expressa o novo fluxo a ser implementado pela sociedade brasileira, pois conclama não só o Poder Judiciário, mas as entidades privadas e entidades sociais, como por exemplo universidades, a participar do programa de incentivo a solução extrajudicial de conflitos:

                                        Art. 5º O programa  será  implementado  com  a                 participação de rede constituída por todos os órgãos do Poder Judiciário              e por entidades públicas e privadas parceiras, inclusive universidades e          instituições    de ensino.

       A realidade brasileira relacionada à solução dos conflitos por meio judicial, nos demonstra  que há uma enorme volume de processos que encontram-se nos vagões do judiciário, transitando de forma menos veloz do que se deseja (versão cordial na análise crítica dos processos em curso no judiciário).


       Segundo relatório do CNJ de 2015, o ano de 2014 terminou com mais de 70 milhões de processos pendentes de decisão terminativa e menos de 30 milhões foram concluídos. O déficit é enorme, causado por inúmeros fatores. A questão é que os conflitos são conduzidos ao judiciário para que haja um fim. O jurisdicionado deseja o fim de seu processo, mas no fundo o seu maior desejo é o fim do problema que lhe surgiu anos atrás. Desta forma, não deveria a advocacia intensificar este conflito. O desgaste é nítido!

       Neste sentido, um dos problemas mais contundentes neste contexto é o mito de que o problema bem resolvido é aquele levado ao Poder Judiciário, como se a única forma de solucionar o problema entre as pessoas é através de uma sentença. Diz-se mito pois, as pessoas podem ter a autodeterminação para participar de uma diálogo favorável a solução do conflito, ou seja, ao fim do problema, por meio do ENTENDIMENTO, sendo o consenso possível e menos desgastante. Como já afirmado, a figura do mediador torna-se importante na medida que funcionará como facilitador do diálogo.

       Ao final, ao invés de se falar “depois de tanto anos, ganhamos”, podemos optar por declarar: “ conversamos muito e conseguimos nos entender”. Dizer que houve um acordo, uma conciliação, um consenso, é transformar o conflito real em um motivo para uma aproximação não abusiva, não violenta, desprovida de sentimento de raiva e ódio. Pensar que a boa-ação na profissão da advocacia pode se tornar revolucionária.

       O diálogo, como ferramenta humana de inter-relação e sociabilidade, também se torna o principal meio de solução de conflitos, quando direcionado ao final conciliatório, tendo um mediador que funciona como um interlocutor. A advocacia pode e deve cumprir esta função social, atuando como especialista da lei e como um interlocutor favorável, que ao final poderá afirmar que: “a solução foi agradável para todos”.

3. Considerações finais

       Portanto, os princípios da prática de Mediação entre particulares,  que são hoje divulgados e interpretados, nada mais são do que os princípios da vida regida pela boa-ação, pela empatia e pelo  ENTENDIMENTO. Afastar a influência do juizismo, do mito da confiança no processo e na sentença, são fundamentais quando substituídas pela prática movida pela ética, imparcialidade e boa-fé.

       Sejamos confiantes neste progressismo da advocacia, onde a vanguarda reserva um trabalho eficiente e favorável às pessoas, sem perder de vista o valor comercial que a profissão deve assegurar, pois trata-se de trabalho, com todo rigor profissional, mas com um grande toque de humanismo.